A atividade de dirigir passageiros ou entregar comida por aplicativos, antes um reflexo da procura pela complementação de renda, hoje sustenta famílias inteiras, representando ocupações de tempo integral embora sem o respaldo da lei trabalhista. Como efeito, estampa o fenômeno moderno da precarização das relações de trabalho.
Embora a carga de trabalho seja exaustiva e a contrapartida não reflita os gastos do trabalhador para a manutenção da atividade, não há no Brasil regulamentação legal sobre os direitos da categoria, embora alguns sindicatos organizem mobilizações para reinvindicações de direitos e conscientização do setor.
A justificativa das plataformas digitais é de que os afiliados são trabalhadores autônomos, ainda que na prática eles se afastem do cenário característico do profissional liberal.
Existem alguns recursos jurídicos para a regularização da atividade de quem trabalha como entregador sem que signifique a clássica contratação por tempo integral do empregado CLT, como por exemplo o que ocorre com o contrato de trabalho intermitente (artigo 443 da CLT) ou com o contrato por regime de tempo parcial (artigo 58-A da CLT).
A matéria foi e é objeto de judicialização em massa ao redor do mundo e já gerou várias condenações, pela precarização das relações, em países como Argentina, Espanha e Bélgica (para mais, consultar o seguinte site: https://www.justificando.com/2019/05/24/entregadores-de-aplicativos-estao-em-um-limbo-do-direito-do-trabalho/).
No cenário nacional, entretanto, o TST vem entendendo que decisões de outros países não devem influenciar as instituições brasileiras, decidindo pela autonomia dos profissionais de aplicativo e afastando a subordinação e o vínculo de emprego como características elementares da atividade, na contramão daquilo que foi considerado pelas instâncias inferiores da justiça do trabalho. Veja:
O relator Ives Gandra Martins Filho, afirmou em julgamento da 4ª Turma, no ano de 2021, que já existe “autonomia ampla do motorista para escolher dia, horário e forma de trabalhar, podendo desligar o aplicativo a qualquer momento e pelo tempo que entender necessário, sem nenhuma vinculação
a metas determinadas pela Uber” (processo 10555-54.2019.5.03.0179, lembrando que o STJ respalda o entendimento do TST).
Consultar a decisão do STJ de 04/09/2019 que NÃO reconhece vínculo de emprego ao motorista UBER: CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 164.544 – MG (2019/0079952-0), disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2019/9/art20190904-07.pdf
Diante deste cenário, como instruir o cliente trabalhador?
O posicionamento mais favorável atualmente é no sentido de orientá-lo a constituir MEI, com CNPJ próprio e pagamento mensal das guias emitidas no Portal do empreendedor (5% sobre o salário mínimo).
Dentro das atividades permitidas para o MEI, as abaixo relacionadas se enquadram na hipótese:
MOTOBOY INDEPENDENTE CÓDIGO 5320-2/02
MOTORISTA (POR APLICATIVO OU NÃO) INDEPENDENTE CÓDIGO 5229-0/99
MOTOTAXISTA INDEPENDENTE CÓDIGO 4923-0/01
Todas as atividades permitidas podem ser consultadas em: https://www.gov.br/empresas-e-negocios/pt-br/empreendedor/quero-ser-mei/atividades-permitidas
Enquanto nenhum direito trabalhista ainda está regulamentado e couber aos patrões optar ou não pela regularização de cada trabalhador, este deverá se filiar ao INSS, por conta própria, para evitar o completo desamparo da lei. A qualidade de segurado, adquirida pelo primeiro pagamento de contribuição em dia, oferece proteção previdenciária contra doenças e acidentes no trânsito (acidentes de trabalho) e traz possibilidade de aposentadoria no futuro, pensão por morte aos dependentes e garante o salário-maternidade à trabalhadora.
A particularidade de cada caso determinará a pertinência de se provocar ou não a judicialização estratégica, no sentido de reconhecimento do contrato de trabalho, como o de trabalho intermitente, tempo parcial ou mesmo exclusivista por tempo integral, a depender dos requisitos legais de cada regime, em cotejo analítico com as demandas vividas pelo trabalhador individual.
Atenção para a reviravolta jurisprudencial: O TRT 15 reconheceu vínculo empregatício em 2021 por entender que o UBER tentou manipular a situação jurídica do trabalhador, forçando um acordo. Consultar em: TRT-15 reconhece vínculo de trabalho entre Uber e motorista – Migalhas.